segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O costume


O problema é que a gente se acostuma. A gente sempre, invariavelmente, se acostuma. Não importa o que aconteça (bom ou ruim): se não passa, a gente se acostuma. E é aí que a gente começa a deixar de aproveitar. Ainda pior é quando o costume toma uma maquiagem de falsa “estabilidade”; daí, sim, é que a gente não apenas deixa de “aproveitar” e começa a perder.

É inegável o conforto de um carro. Se ele tiver ar condicionado e direção hidráulica, então, é pra já que a gente se acostuma. E logo em seguida o costume ganha a companhia da sensação de “poder” e duma aparente “liberdade”. Pronto. Não precisa mais nada para a gente se acostumar ainda mais. E aí vem a vida e muda tudo com um simples acidente de trânsito. A previsão de ficar mais de quatro semanas sem carro parece o prenúncio do final dos tempos. Fazer o quê?! E salve o Tremsurb, a Cia Carris Porto Alegrense, o Táxi e a Carona!

O costume (malfadado!) fez esquecer os “Poemas no Ônibus”. Nossa, como são adoráveis os “Poemas no Ônibus”! Esse mesmo costume faz esquecer o itinerário da lotação “Iguatemi”, o que implica caminhar léguas e léguas até chegar em casa. O costume faz a gente perder a mudança da parada do “C1” e a gente se vê igual uma barata tonta, em frente ao Mercado Público, se perguntando pra onde (diabos!) o Fogaça mandou transferir este ponto de ônibus?! Foi o costume com o tal do carro que fez perder a alegria de olhar com toda calma do mundo a roda gigante linda e colorida do parquinho ali da Osvaldo Aranha.

E todo santo dia a gente acorda, se maquia, veste uma roupa chique e um salto agulha e vai trabalhar, achando, bem belas, que está tudo seguro. Que seguro, que nada. Estamos, na verdade, apenas acostumadas. O salário não é lá grandes coisas, mas deixa pra lá, afinal a gente também já se acostumou a ganhar pouco, mesmo. E esse costume faz a gente deixar de aproveitar uma empresa melhor, que nos dê dignidade. Esse mesmo “hábito” nos impede de trocar o trabalho estressante pelo prazer de trabalhar como uma pessoa normal, num horário normal. Deixamos de aproveitar a chance de descansar. Sim, a gente acostuma até a não ter tempo para descansar. E assim vamos perdendo o próprio tempo, perdendo vitalidade, perdendo o que está acontecendo na nossa volta, perdendo de estudar e nos atualizarmos, enfim, perdemos oportunidades, tudo graças ao costume.

O costume tem má índole. É o danado do costume que nos dá a sensação de “nostalgia” quando o ex aparece do nada (tipo Fênix!), querendo recuperar coisas que durante anos teve chance de fazer e nunca fez. É. O costume faz parecer que ainda faz falta o velho namoro, justamente aquele que acabou porque já rendeu tudo o que tinha pra render! O costume tenta nos cegar e tenta desviar nossa atenção já tão voltada para o novo, para o brilho, para o melhor, pois insiste em pintar de “confortante” o que, na verdade, é um singelo e reles costume. E é esse hábito que faz parecer “amor” ou “cumplicidade” o mero comodismo. E a gente se acomoda mesmo! É mais fácil agüentar uns perrengues a enfrentarmos sozinhas o mundo truculento, lotado de lobos maus. E é escusável. Totalmente escusável.

O único problema é, sem dúvida, que a gente se acostuma.

O diferencial é que (especialmente no nosso caso!) sabemos nos reinventar. Sorte?! Mas bem capaz, mesmo! É virtude. A reinvenção é uma dádiva. Com licença, nós a temos! Privilégio para poucas. A gente se refaz. A cada novo dia, a gente se refaz.

Podem destruir todos os Kás que a gente vai dar a volta por cima e ainda rir na estação do Tremsurb. Perdi a parada do ônibus?! Azar do ônibus que não terá o prazer de me carregar! O chefe idolatrado me decepcionou a ponto de me desidratar em lágrimas?! Que pena, perderá uma talentosa, competente e fidelíssima profissional. Então o ex percebeu que perdeu?! Ora, lamento muito, mas a tua hora já passou. E não foi por falta de chance que tu não conseguiste acertar o tom.

O costume está aí, cumprindo o papel dele... Só que pra infelicidade do tal “Sr. Costume”, nós temos a chave da transformação e o comodismo, por mais confortável que seja, por mais que assuma uma faceta de “aparente segurança”, não nos fará perder o senso de oportunidade. Nós vamos é virar este jogo, mudar os descontentamentos para que eles nos tragam algo de bom e quando não for possível fazer uma máster variação nas regras vida, vamos é tirar proveito até das adversidades. E quando a vida se der conta, oooooops, já mudamos de novo! E a nosso favor.